O dia em que Jonas Kaufmann sequestrou minha alma

Foi no avião, num vôo Geneve-Miami no dia 7 de Abril. Estava indo para o casamento de um amigo, viagem bate-volta, de sexta a domingo. Nesse dia estava cansada da semana cheia e na verdade estressada pelo fato de fazer tantas viagens, 99% do tempo a trabalho e, quando surgia uma viagem bacana, não aguentava mais ver aeroportos. Não era justo e por isso estava de mau humor.

Como já praticamente “decorei” os filmes a bordo da Swiss Airlines, resolvi relaxar, pedir uma taça de vinho e “zapear” pelos outros programas disponíveis pra me distrair e ver se dormia um pouco.
Parei sem muito interesse sobre um documentário a respeito de Giacomo Puccini, célebre compositor de óperas italiano, e um concerto em sua homenagem no icônico Teatro alla Scala de Milão.
Foi então que a mágica aconteceu. E mudou completamente a rota dos meus pensamentos.

O narrador do documentário e protagonista do concerto é o tenor Jonas Kaufmann, de quem nunca tinha ouvido falar. Mas imediatamente o carisma, a voz, o canto, a beleza das árias, a postura em palco, me transportaram para outra dimensão e para outros tempos. Tempos de criança em que eu ouvia árias de ópera com meu pai, que adorava os italianos Verdi e Puccini. Onde me fascinavam, não apenas a música, mas sobretudo os enredos incríveis de amores intensos, ciúme, traição, conspiração, morte e tragédia. Me lembrei das minhas prediletas Carmen, La Traviata, Dido e Eneas, Tosca, Madama Butterfly. Nada tão humano como uma ópera.

Como num filme, fiz um flashback para quando meu irmão Dante, que é músico, me contou a história da princesa Turandot, que mandava matar todos os pretendentes que não acertassem três enigmas que ela propunha, para evitar se casar. Até que apareceu o príncipe Calaf, que não apenas decifrou os enigmas, como propôs um de volta à orgulhosa princesa, para não forçá-la a ser sua esposa na marra: que ela descobrisse o nome dele, estrangeiro que acabava de chegar em Pequim. Esse é o enredo da última ópera de Puccini, Turandot, cuja ária “Nessun Dorma”, pop hit operístico, ganhou uma dimensáo estratosférica na voz e interpretação de Jonas Kaufmann (veja aqui). Dessa forma, através daquela voz, decidi imediatamente voltar a ouvir ópera como em criança, encontrar tempo para ir a mais concertos, resgatar meu lado mais italiano.
E pensei que só pelos enlevos da alma a vida vale a pena. E que, por ela, a alma, é preciso sonhar acordado de vez em quando. Jonas Kaufmann e a beleza de suas interpretações foram para mim uma chave e um despertar.

E assim assisti três vezes seguidas ao documentário/concerto, até o avião aterrissar sem que eu percebesse o tempo da viagem. E, chegando em Miami, logo depois de “googlar” um pouco, descobri atônita que Jonas Kaufmann é considerado o maior tenor dos tempos atuais, uma celebridade. Seus concertos são sinônimo de esgotamento de bilheteria e sua agenda está tomada pelos próximos cinco anos. Me senti patética como se uma pessoa nos anos 90 dissesse: descobri uma cantora ótima, Madona, conhece? Esse seria o tamanho da ignorância. Fica o “mea culpa” a meus amigos mais eruditos.

E desde esse encontro no avião, agora e para sempre Jonas Kaufmann faz parte da minha seleção musical predileta. Retomei meu interesse pela ópera e já fui a três concertos (não com JK, pois é missão quase-impossível conseguir um ingresso), sendo uma ópera em Praga – Tosca – onde meus filhos ficaram tão embasbacados como eu em criança.

Jamais conhecerei Jonas Kaufmann pessoalmente, mas ele foi importante o suficiente para que eu mudasse minha rotina, ficasse mais criativa e fosse pra cozinha criar uma receita nova em sua homenagem. Publicarei a receita inspirada em breve! Fica meu eterno agradecimento a esse encontro fortuito. E para terminar bem, Jonas Kaufmann cantando “Parla piu piano” – (veja aqui) – e você não precisa de muito mais pra ser feliz na vida.